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domingo, 8 de abril de 2007

Casa Verde

Tendência no Exterior, as soluções acessíveis para construir e morar sem detonar a natureza começam a ser divulgadas e aplicadas no País

por ANGELA KLINKE

Se Sylvester Stallone arremessasse Van Damme nas paredes do sobrado do arquiteto Paulo Montoro nada aconteceria. Com as paredes. Isso porque foram erguidas em terra crua, no secular método de taipa de pilão e, ao contrário do que se imagina, são tão resistentes quanto a de blocos e bem mais que as dos cenários de Hollywood. Montoro integra a ABCTerra – Associação Brasileira dos Construtores com Terra –, que pretende desfazer o preconceito e mostrar a durabilidade e a viabilidade comercial dessa técnica. Já que casa de barro se tornou sinônimo de barbeiro e bicho-do-pé e seus donos passam por Jeca Tatu ou bicho-grilo, a entidade está empenhada em ressaltar suas qualidades do ponto de vista ecológico para conquistar os formadores de opinião. "A taipa não consome energia. Um metro cúbico de tijolo queimado gasta 1.500 kW, além de poluir o ar na combustão", garante Montoro. Como a ABCTerra, várias organizações, profissionais e empresas direcionadas para a habitação ecológica vão se reunir em 21 e 22 de agosto no campus das Faculdades Integradas da Cantareira, em São Paulo, expondo formas para se morar bem e em harmonia com o meio ambiente. "Pela primeira vez vamos conseguir juntar especialistas para mostrar tudo o que se pode fazer nessa área sem o antigo ar alternativo", explica Marcos Furlan, engenheiro agrônomo e professor da faculdade.

Mato e concreto Desista de se enfurnar em um iglu de argila ou apagar todas as luzes de casa acreditando estar em comunhão com a natureza. Do projeto à decoração, das torneiras ao piso, há soluções simples e verdes para tudo. E não só para o feliz proprietário de uma casa no meio do mato. Existem pequenas intervenções até para quem coabita com antenas e concreto. O principal é ter dois conceitos básicos na cabeça. Uma casa será mais ecológica quanto menos energia for gasta no processo de sua construção e quanto mais renovável for a matéria-prima empregada. Leiko Hama Motomura, dona da Total Ecodesign, escritório especializado em procedimentos de ecologia aplicados à arquitetura, tem esses dois preceitos como uma bússola no seu trabalho. "Não adianta só levantar a bandeira verde sem analisar os vários processos que envolvem uma construção. Não basta só substituir um material por outro. Gasta-se tanta energia para se fazer uma fotocélula para a energia solar, por exemplo, que ela só será ecológica onde não existe energia elétrica", explica.

Patuá de clorofila O autor da planta da casa pode ajudar e muito o morador a ficar de bem com o planeta. Só com as árvores certas em torno da casa já se consegue criar um clima ameno sem ar refrigerado e assim poupando energia. Empregar o bambu tratado em vez de vigas de ferro ou madeira é outra opção verde. "O bambu cresce em cinco anos, se renova rápido e pode ser cultivado no meio da plantação de cana por exemplo. Não precisa de máquinas para ser colhido", explica Leiko. É bem simples montar um reservatório para captação de água da chuva e instalar um sistema hidráulico específico. Essa água pode ser usada nos vasos sanitários para evitar o desperdício da que é tratada. Em várias cidades da Alemanha (país de grande tradição na preocupação ecológica), quem adota esse sistema não paga a água potável.

Para o morador de apartamento é inviável tratar o próprio esgoto ou fazer mudanças mais radicais. Mas existem paliativos para quem quer ter mais que um patuá de clorofila. A tinta solúvel em água ou com pigmento natural agride menos o ambiente na sua fabricação. Os metais sanitários com sensores economizam água. A válvula do sistema sanitário que libera menos litros em cada descarga – antigamente soltava 20 litros, hoje já se limita a 8 litros – também poupa água. Lâmpadas que consomem menos energia têm sua função verde. Pisos de cerâmica reciclada, laminados de madeira reflorestada ou bambu diminuem o ataque das madeireiras às florestas. Até mesmo na escolha de um vaso decorativo consegue-se ser mais ou menos ecológico. "Plantas como arruda, comigo-ninguém-pode e guiné, usadas como proteção contra maus fluidos, na verdade, aplacam a ação da fumaça do cigarro porque consomem os poluentes para fazer a fotossíntese", explica o agrônomo Furlan.

Revestimento de planta No Brasil, os clientes adotam poucos procedimentos ecológicos. Só um ou outro militante é mais aguerrido. Na casa do arquiteto e professor universitário Fábio Canteiro, nos arredores de São Paulo, a água é puxada diretamente de um lençol d’água, a 20 metros de profundidade. A tarefa é feita por um moinho de vento de 12 metros de altura. "O nosso objetivo é consumir tudo o mais puro possível. Esse negócio de água com cloro é dramático para a saúde", diz Canteiro. Tema de uma tese de mestrado na USP, a casa também tem um biodigestor para tratar o próprio esgoto. "As pessoas têm de descobrir como fazer para viver sem agredir a natureza", acredita.

Em outros países, a tendência da moradia ecológica é cada vez mais abrangente. Na parte ocidental da Austrália, 20% das novas construções são de taipa de pilão. Em Grenoble na França, o grupo Craterre forma mestres em "arquitetura da terra" para atender à demanda do mercado. Em Amsterdã, na Holanda, várias empresas estão se especializando em revestimentos de resíduos orgânicos, ou seja, industrializando estruturas e coberturas feitas de restos e fibras de plantas. Há dez anos, Colômbia e Costa Rica adotam o bambu como estrutura em prédios. Na Universidade de Kassel, na Alemanha, o professor Gernot Minke exporta projetos de construção em barro. É um trabalho artesanal que agrada por suas formas artísticas. Já o arquiteto americano David Easton se preocupou em desenvolver um método para construir casas de taipa da maneira mais rápida possível. Adaptou o sistema de jatear concreto com mangueiras para erguer mansões de terra crua na Califórnia. "A construção com terra e outros materiais ecológicos não é uma recomendação romântica. É a vanguarda. Adotá-los é uma forma de diminuir o uso de recursos naturais e uma saída, se quisermos sobreviver sobre o planeta. E esse é o desafio das novas gerações", acredita a arquiteta Márcia Macul.

Fonte: ISTOÉ - número 1558

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