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sexta-feira, 20 de junho de 2008

A TEORIA SITUACIONISTA: um novo olhar para a cidade



A TEORIA SITUACIONISTA: um novo olhar para a cidade
Marco Antonio Souza Borges Netto

RESUMO

O texto utiliza conceitos da teoria situacionista para analisar em que medida um objeto inserido na cidade pode possibilitar novas percepções do espaço urbano e novos meios de participação do cidadão e turistas. O objeto estudado é o protótipo de uma jardineira-móvel que foi inserida durante algumas horas na Praça da Estação, centro da cidade de Belo Horizonte. A Praça da Estação, recentemente reformada, embora vincule o discurso de espaço para eventos para a população, promove, através de seus espaços áridos, a dificuldade de apropriação e permanência. Neste contexto, a inserção do objeto de estudo se justificaria não somente pela possibilidade de criação de espaços de convivência, mas também, pela criação de novas formas de apropriação da cidade, conformando o território através da participação ativa das pessoas, conforme sugere a teoria situacionista.

SUMMARY

The text uses concepts of the Situationist International theory to analyze where measured an inserted object in the city it can make possible new perceptions of the urban space and new ways of participation it citizen and tourist. The studied object is the archetype of one gardening-furniture that was inserted during some hours in the Square of the Station, center of the city of Belo Horizonte. The Square of the Station, recently remodelled, even so ties the speech of space for events for the population, it allows, through its barren spaces, the difficulty of appropriation and permanence. In this context, the insertion of the study object if would not only justify for the possibility of creation of interaction spaces, but also, for the creation of new forms of appropriation of the city, conforming the territory through the active participation of people, as it suggests the situacionist theory.

PLAVRAS-CHAVE: Internacional Situacionista, urbanismo, apropriação do espaço público


PARTE 1: INTERNACIONAL SITUACIONISTA E AS NOVAS DEMANDAS DO URBANISMO


No período entre guerras, o campo da arquitetura e do urbanismo presenciou o fortalecimento do discurso poético – na busca de soluções dos problemas sociais – e pragmático – no uso da racionalidade técnica para a reconstrução das cidades arrasadas pela guerra – propostos nos primeiros CIAMs (Congressos Internacionais de Arquitetura Moderna). Já no pós-guerra, em 1947, no retorno dos Congressos, a cada encontro passou a dominar a figura de Le Corbusier, com o discurso do funcionalismo separatista apresentado na Carta de Atenas (1933) e encaminhado por princípios racionais cartesianos.


Em um contexto de grande destruição que gerava a necessidade de rápida reconstrução dos espaços urbanos e de grandes investimentos na habitação, aliado ao fortalecimento de uma produção industrial de modelo fordista – produção estandardizada, uso de carros, trabalho na fábrica com horários para a produção e para o descanso bem determinados etc. – fizeram que os princípios da Carta de Atenas para o funcionamento da cidade – trabalhar, circular, habitar e recrear – fossem utilizados em larga escala por todo continente europeu, sendo depois transformado em um grande modelo de construção de cidades em diversos países com pretensão a se “modernizar/desenvolver”.


Os Situacionistas, opondo-se á teoria funcionalista da Carta de Atenas, acreditavam que a arte, política e filosofia deveriam ser voltadas para a descoberta de possibilidades de uso do ambiente urbano, induzindo a participação1 transformadora do cotidiano alienado e passivo da sociedade e propõe, então, o uso do urbanismo unitário: “emprego do conjunto das artes e técnicas, como meios de ação que convergem para uma composição integral do ambiente” (JACQUES: 2003;54).


O urbanismo unitário é dinâmico, isto é, tem estreita ligação com estilos de comportamento. O elemento mais reduzido do urbanismo unitário não é a casa, mas o complexo arquitetônico – reunião de todos os fatores que condicionam uma ambiência, ou uma série de ambiências contrastantes, na escala da situação construída. O desenvolvimento espacial deve levar em conta as realidades afetivas que a cidade experimental vai determinar.


Na segunda metade do século XIX, houve um crescimento acelerado da população no mundo, decorrente da industrialização. Nessa época, as vias e os espaços centrais como praças sofreram transformações consideráveis com o aumento populacional, a existência de grandes massa humanas e os novos ritmos de circulação.


Contraditoriamente, as novas praças erguidas nesse período tanto em Londres como em Paris – marcadas pela monumentalidade, por grandes espaços abertos ou jardins – negaram estrategicamente seu papel como espaços de uso múltiplo e popular, enfrequecendo-se como ponto central da vida urbana.


Como mostra Richard Sennett, as antigas praças, mapeadas por referências estáveis do conhecimento e códigos de hierarquia, são suplantadas pela economia do capital, que trouxe ao espaço público uma massa de estranhos em si visando entre outras coisas disciplinar o uso dos espaços centrais.


Aos poucos, portanto, as praças tradicionais, com uma sociabilidade circunscrita e reconhecível, perderam força enquanto centros da vida urbana.


De qualquer modo, configura-se, a partir daí, na paisagem urbana das grandes cidades, um cenário irreversível marcado pelas multidões em movimento pelas ruas. Os espaços públicos são alvos de intensas intervenções urbanas visando priorizar o fluxo.


Criticando a cidade moderna, Walter Benjamin aponta que uma atitude moderna em face da nova configuração urbana que poderia ser inspirada na figura do flânerie. Que, em vez de se refugiar da massa urbana, nela mergulha, recusando-se, no entanto, a se submeter ao seu fluxo anônimo. No entanto, Benjamin escreveu sobre o tema até concluir que, em seus dias atuais, ou seja, os dias em que viveu, o flânerie se fazia quase impossível. “Quando a multidão se congestiona, não é porque o trânsito de veículos a detenha [...] mas sim, porque é bloqueada por outras multidões. Numa massa dessa natureza a flânerie não poderia florescer” (BENJAMIN, 1989, 50).


Nelson Brissac Peixoto, constatando a assertiva de Benjamin, acredita que os problemas que cercam a questão do olhar no mundo contemporâneo estão relacionados à banalização e rapidez das imagens. “Vivemos no universo da sobre exposição e da obscenidade, saturado de clichês, onde a banalização e a descartabilidade das coisas e imagens foi levada ao extremo” (PEIXOTO, 1988, 367).


Entretanto, a atitude de flanar pode com esse extremo a que Brissac refere. Bernard Tschumi imagina poder ver o corpo humano no centro das questões do espaço. Aumentando, dessa forma, a experiência do corpo que se move no espaço (NESBITT: 2006).

PARTE 2: A CIDADE COMO PATRIMÔNIO CULTURAL

Toda cidade tem uma história, que se inicia com a sua fundação e evolui através do tempo. Há muitas formas de contá-la. Ela está presente na cultura de seu povo, nos ciclos de seu desenvolvimento econômico e social, nas obras ilustres, e também nas edificações, memória visível da evolução urbana.


Selecionar no sítio urbano e em seu entorno exemplares de arte, arquitetura, ou ainda salvaguardar as paisagens, naturais ou construídas, significa atribuir a esses elementos isolados a possibilidade de serem atores integrados da história, cumprindo uma função social de contar à sua maneira as aptidões de desenvolvimento humano de cada época.

PARTE 3: O LOCAL DE INSERÇÃO

A Praça Rui Barbosa é mais conhecida como Praça da Estação por se localizar no antigo ramal ferroviário que foi porta de entrada de toda a matéria-prima utilizada na construção de Belo Horizonte. O primeiro relógio público da cidade foi instalado lá, no alto da torre da estação, cuja praça começou a ser construída em 1904. Dezoito anos depois, em 1922, um novo prédio (estilo neoclássico) foi erguido para atender à demanda da efervescente cidade. Hoje no prédio funciona um museu e o ramal rodoviário é utilizado pelo trem urbano, cujo embarque e desembarque de passageiros se dá pela Praça.


A Praça da Estação, pela época de sua fundação, assemelha-se mais à uma praça européia do século XVIII, pois o projeto de praças estava normalmente restrito ao tratamento paisagístico de grandes palácios, nem sempre inseridos no contexto urbano. As praças que historicamante se formaram nas cidades européias normalmente estão relacionadas com a configuração natural de um espaço livre a partir dos planos de edifícios que foram sendo construídos ao redor de construções importantes, como igrejas, catedrais e prédios públicos.


Portanto, a Praça da Estação foi escolhida como local para a inserção da jardineira móvel Por essas suas características: um pátio desprovido de vegetação e de lugar de convivência, como bancos, mesas e cadeiras e pela sua localização privilegiada: no centro de Belo Horizonte e próxima de uma estação do “metrô”.


Além do mais, no Brasil, o conceito de praça é popularmente associado às idéias de verde e de ajardinamento urbano. A típica praça na cidade brasileira se caracteriza, portanto, por ser bastante ocupada por vegetação e arborização. Quando ela recebe um maior tratamento, ou quando foi resultado de um projeto, ela também costuma possuir equipamentos recreativos e contemplativos (como playgrounds, recantos para estar, equipamentos para ginástica e cooper, bancos e mesas, etc). E a praça da Estação, apesar do nome, foge a esse conceito.


Então, através da jardineira-móvel pretende-se arborizar a Praça da Estação, criando espaços de permanência e a pessoa pode deslocar-se pela praça, instalando-a onde bem entender. É um convite ao habitante para flanear pela praça, tomar posse da praça. E “tomar posse dos lugares implica explorá-los, pois toda orientação só é possível num mundo já conhecido” (VELOSO,03). Tornando-se, então, a Praça da Estação em uma verdadeira praça contemporânea.

PARTE 4: CONCLUSÃO

Assim como Benjamin, os situacionistas acreditam que “o cotidiano desdobra-se tal como a arte, ou seja, pela solicitação dos sentidos que conduz ao prazer ou ao horror, mas jamais à acomodação burocratizada ou à complacência indiferente” (VELOSO, 4).


Portanto, deixa de ser uma opção dos arquitetos controlar ou prever os efeitos de sua obra, uma vez que o espectador convertia-se em criador do lugar. E é essa a possibilidade da jardineira-móvel.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ARANTES, Antônio A. (Org.). O espaço da diferença. Campinas: Papirus, 2000.

BENJAMIN, W. Charles Baudelaire, um lírico no auge do capitalismo. Obras escolhidas. São Paulo: Brasiliense, 1989, 1a Ed., v.III

CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano: artes de fazer. Petrópolis: Vozes, 1994. 1 v.

DIAS, Reinaldo. Turismo e patrimônio cultural: recursos que acompanham o crescimento das cidades. São Paulo: Saraiva, 2006.

JACQUES, Paola Berenstein. Apologia da Deriva - Escritos Situacionistas Sobre a Cidade.Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2003

NESBITT, Kate (Org.). Uma Nova Agenda para a Arquitetura: Antologia Teórica 1965-1995. São Paulo: Cosac e Naify, 2006

PEIXOTO, N. B. Paisagens urbanas. São Paulo: Marca d’água, 1998.

VELLOSO, Rita de Cássia Lucena. O cotidiano selvagem: arquitetura na Internationale Situationniste. Em http://www.vitruvius.com.br/arquitextos/arq027/arq027_02.asp. acessado em outubro de 2007.

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