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segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Enchentes: privilégio de todos, arrogância de todos

Um texto do Edézio sobre as chuvas e ao final fotos de Astolfo Dutra, Cataguases, Divinópolis, Guarani, cidades do interior de Minas. Enchente não é um problema só das metrópoles.

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Chuvas: surra na arrogância
Geocentelha 320
Edézio Teixeira - Engenheiro Geólogo

Saía para viagem à divisa Minas-Rio às 5:20 do dia 22/11. Chovia copiosamente. No percurso para apanhar um colega, minhas hipóteses de alagamento eram a Antônio Carlos com Américo Vespúcio/Bernardo Vasconcelos, ponto baixo do Anel Rodoviário a montante da UFMG e na Betânia. Acabei passando normalmente. Retornei no dia 24 de Além-Paraíba, encontrando o rio Pomba muito cheio com alagamentos entre Cataguases e Astolfo Dutra. Não pudera acompanhar senão por telefone as notícias de Belo Horizonte. Reflito pois mais genericamente: Qual é a chuva que mais inunda? É a que ocorre sob as seguintes circunstâncias: Chuva muito intensa, coroando período prolongado de chuvas intensas e contínuas. No caso, essa chuva, mesmo não excepcional, encontra o sistema geológico saturado, não receptivo, e a água passa em frente, sem infiltrar-se. É assim no mundo inteiro, com gravidade maior nos países das monções pela excepcionalidade das precipitações, da ordem de 10 vezes a intensidade em Belo Horizonte, e nos eurocentrados, Brasil incluído, por causa da Gestão. O Mississipi teve as piores inundações num período desses a jusante dos criminosos diques laterais inventados pelos franceses, que, alegadamente para proteger cidades marginais, forçam as águas a seguirem mais rapidamente rio abaixo.

Na base do faça como eu, que fiz eu? Residi sempre em lugares suficientemente elevados em relação aos leitos fluviais. Nos deslocamentos pela cidade, de carro, em tempo chuvoso, evito as vias ditas sanitárias e penso em pontos baixos como os acima citados; estando numa dessas vias em chuva inesperada, procuro dela sair o mais rápido possível; quando minhas filhas começaram a dirigir, recomendei enfaticamente a elas procederem assim, buscando sempre que possível vias transversais subindo. Numa chuva excepcional em que a cidade temerariamente ocupou os pontos mais baixos do terreno, como é notório no Brasil, chego a “torcer” para que bocas de lobo altas estejam em parte entupidas, porque o incômodo assim compartilhado pode salvar vidas!

Num país diverso como o Brasil as arrogantes legislações sanitária e ambiental apoiadas secularmente no pedestal da ignorância sobre as condições geológicas e até sobre processos completamente independentes do fator geológico, inflexíveis, conseguem complicar mais ainda a questão. Como profissional, que faço? Fiel a meus deveres perante a sociedade, tenho defendido sempre o espírito da lei, quando bom, mas combatendo incansavelmente, creiam, o texto burro e inflexível, gerador de efeito oposto ao pretendido, lamentando não ter agora em meu auxílio a verve inigualável de Nelson Rodrigues, cronista do cotidiano, adepto de nossa alegria de viver, de nossa genialidade futebolística, mas crítico cáustico de nossas irresponsabilidades sociais, por ele atribuídas aos “lorpas da objetividade”. Caro leitor: Se a lei dispensa que pense, por amor do que preza, pense!

Jornal O Tempo; O.PINIÃO; 27/11/10; p .21 (sob o título “Chuvas dão surra na arrogância dos governantes”)





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