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quinta-feira, 15 de novembro de 2012

Sobre enchentes - de novo


Como de costume, sempre nessa época do ano comento sobre as enchentes em Belo Horizonte. Como de se esperar, com as chuvas dessa época do ano, nenhuma surpresa: alagamentos por todos os lados. A foto acima é na Avenida Francisco Sá, no bairro Prado.

Dessa vez compartilho (ou compartilho novamente) um texto de 2000, onde relata o transbordamento do Rio Arrudas. Não foi a primeira vez que o Arrudas transbordou nem será a última.

Aliás, se não houver uma mudança de paradigma no planejamento urbano e na gestão pública do ordenamento das cidades, as enchentes serão corriqueiras e a cada ano, piores.

É impossível querer acabar ou minimizar com as enchentes aplicando as mesmas soluções que outrora não resolveram o problema.

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O MAIOR DOS DESAFIOS
Edézio Teixeira de Carvalho – Geólogo e ex-professor da UFMG 

Está longe de ser o maior desafio de gestão do presente fim de século a garantia de água para os séculos vindouros. O desafio maior é remover das mentes a complacência imobilizante. Tão maior é este desafio quanto é reconhecível que com mais 10 ou 20 anos teremos erradicado o analfabetismo formal, sem qualquer arranhão na couraça do verdadeiro desafio. Assim fica difícil escapar ao estado geral de perplexidade e prostração diante do iminente desastre geológico e do já configurado desastre social da civilização.

De que vale saber ler se tal faculdade só é utilizada para importar a última novidade tecnológica que se implantou por lá? De que vale saber ler se não há projetos globais, setoriais, pontuais, em que estes e os setoriais estejam sistêmica e consistentemente compatibilizados com os globais, para que leiamos essa consistência, e, compreendendo-a, apoiemos mediante o voto ou a opinião, e participemos. Que programa há para ler e compreender? Há muitos programas por aí, mas onde está a sua mútua consistência? Onde a sua própria consistência interna, concedendo o esquecimento de seus compromissos com os demais, que já seria querer demais? Vejamos o da água. Está toda gente preocupada com ela, mas poucos se preocupam simultaneamente, como deve ser, com as suas três dimensões de gestão (suprimento, agente geodinâmico e veículo de poluentes e contaminantes). Já na dimensão suprimento, esquecendo as demais, é assim: se há mananciais superficiais, nada mais se discute, pois é só com eles que se proverá água; onde há carência de água superficial e bons mananciais subterrâneos, ou se inverte a equação do suprimento  e só se usa a subterrânea, ou se faz a concessão pela dobradinha. Águas pluviais, nem pensar, embora as mais fáceis de captar, para os usos adequados, por certo. Dir-se-á que águas pluviais capta, quando pode, o nordestino. Nada mais equivocado, pois a lógica, já descoberta em Éfeso há 25 séculos, ou antes, recomendaria que águas pluviais se captassem sempre, preferencialmente onde chove muito! A avenida Tereza Cristina, no médio Arrudas, foi inundada. Lamentamos que a canalização recente não tenha suportado as águas de março, ou regozijamo-nos com essa inundação, que pode ter evitado o transbordamento do Arrudas no centro da cidade? Gestão anti-científica dá nisto!

Quanto à Tereza Cristina, nada está perdido, mesmo sendo muito provável que uma ampliação do seu canal implique a do baixo Arrudas, o que torna o problema praticamente insolúvel em termos econômicos. Existem ainda trechos de canalizações a serem ligadas no alto Arrudas, jogando um pouco mais de sombra no cenário. Mesmo assim, nada está perdido, porque soou a hora de respeitar a lei dos crimes ambientais e implantar a coleta de águas pluviais e a infiltração forçada, esta onde as condições geológicas sejam propícias, como compensação ambiental, econômica e socialmente urgentíssima do bloqueio à infiltração promovido pelas edificações e vias asfaltadas da cidade. Mais que isto, aproveitando os vales encaixados do Barreiro e de outras áreas, usá-los para acomodar o entulho inerte gerado em grande volume nas regiões próximas. Esse entulho bem acomodado e contido por diques retentores funcionará como esponja de grande capacidade de absorção de águas de chuvas, e permitirá depois do enchimento a criação de um parque ou similar. Será suficiente? Hoje não sei, mas o que é insuficiente, não por isto deixa de ser urgente.

Mesmo que não povoem freqüentemente os livros, princípios básicos de gestão das águas recomendam que se o consumo está disperso, a oferta, quando possível, deve ser dispersa e com geografia coincidente com a do consumo, o que permite retirar de circulação águas pluviais que destroem, passando da dimensão destrutiva do agente geodinâmico para a construtiva do suprimento. Outro princípio básico é promover o suprimento segundo a demanda, do ponto de vista qualitativo e quantitativo, o que permite, pelo menos por seis meses no ano, lavar carros e trocar calor nas indústrias com águas pluviais, economizando energia, produtos químicos e desastres.

Publicado no jornal Estado de Minas –Opinião – página 7 - 01/04/00

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