Como de costume, sempre nessa época do ano comento sobre as enchentes em Belo Horizonte. Como de se esperar, com as chuvas dessa época do ano, nenhuma surpresa: alagamentos por todos os lados. A foto acima é na Avenida Francisco Sá, no bairro Prado.
Dessa
vez compartilho (ou compartilho novamente) um texto de 2000, onde relata o
transbordamento do Rio Arrudas. Não foi a primeira vez que o Arrudas transbordou
nem será a última.
Aliás,
se não houver uma mudança de paradigma no planejamento urbano e na gestão
pública do ordenamento das cidades, as enchentes serão corriqueiras e a cada
ano, piores.
É
impossível querer acabar ou minimizar com as enchentes aplicando as mesmas
soluções que outrora não resolveram o problema.
O MAIOR DOS DESAFIOS
Edézio Teixeira de Carvalho – Geólogo e
ex-professor da UFMG
Está longe
de ser o maior desafio de gestão do presente fim de século a garantia de água
para os séculos vindouros. O desafio maior é remover das mentes a complacência
imobilizante. Tão maior é este desafio quanto é reconhecível que com mais 10 ou
20 anos teremos erradicado o analfabetismo formal, sem qualquer arranhão na
couraça do verdadeiro desafio. Assim fica difícil escapar ao estado geral de
perplexidade e prostração diante do iminente desastre geológico e do já
configurado desastre social da civilização.
De
que vale saber ler se tal faculdade só é utilizada para importar a última
novidade tecnológica que se implantou por lá? De que vale saber ler se não há
projetos globais, setoriais, pontuais, em que estes e os setoriais estejam
sistêmica e consistentemente compatibilizados com os globais, para que leiamos
essa consistência, e, compreendendo-a, apoiemos mediante o voto ou a opinião, e
participemos. Que programa há para ler e compreender? Há muitos programas por
aí, mas onde está a sua mútua consistência? Onde a sua própria consistência
interna, concedendo o esquecimento de seus compromissos com os demais, que já
seria querer demais? Vejamos o da água. Está toda gente preocupada com ela, mas
poucos se preocupam simultaneamente, como deve ser, com as suas três dimensões
de gestão (suprimento, agente geodinâmico e veículo de poluentes e
contaminantes). Já na dimensão suprimento, esquecendo as demais, é assim: se há
mananciais superficiais, nada mais se discute, pois é só com eles que se
proverá água; onde há carência de água superficial e bons mananciais
subterrâneos, ou se inverte a equação do suprimento e só se usa a subterrânea, ou se faz a
concessão pela dobradinha. Águas pluviais, nem pensar, embora as mais fáceis de
captar, para os usos adequados, por certo. Dir-se-á que águas pluviais capta,
quando pode, o nordestino. Nada mais equivocado, pois a lógica, já descoberta
em Éfeso há 25 séculos, ou antes, recomendaria que águas pluviais se captassem
sempre, preferencialmente onde chove muito! A avenida Tereza Cristina, no médio
Arrudas, foi inundada. Lamentamos que a canalização recente não tenha suportado
as águas de março, ou regozijamo-nos com essa inundação, que pode ter evitado o
transbordamento do Arrudas no centro da cidade? Gestão anti-científica dá
nisto!
Quanto
à Tereza Cristina, nada está perdido, mesmo sendo muito provável que uma
ampliação do seu canal implique a do baixo Arrudas, o que torna o problema
praticamente insolúvel em termos econômicos. Existem ainda trechos de
canalizações a serem ligadas no alto Arrudas, jogando um pouco mais de sombra
no cenário. Mesmo assim, nada está perdido, porque soou a hora de respeitar a
lei dos crimes ambientais e implantar a coleta de águas pluviais e a
infiltração forçada, esta onde as condições geológicas sejam propícias, como
compensação ambiental, econômica e socialmente urgentíssima do bloqueio à
infiltração promovido pelas edificações e vias asfaltadas da cidade. Mais que
isto, aproveitando os vales encaixados do Barreiro e de outras áreas, usá-los
para acomodar o entulho inerte gerado em grande volume nas regiões próximas.
Esse entulho bem acomodado e contido por diques retentores funcionará como
esponja de grande capacidade de absorção de águas de chuvas, e permitirá depois
do enchimento a criação de um parque ou similar. Será suficiente? Hoje não sei,
mas o que é insuficiente, não por isto deixa de ser urgente.
Mesmo
que não povoem freqüentemente os livros, princípios básicos de gestão das águas
recomendam que se o consumo está disperso, a oferta, quando possível, deve ser
dispersa e com geografia coincidente com a do consumo, o que permite retirar de
circulação águas pluviais que destroem, passando da dimensão destrutiva do
agente geodinâmico para a construtiva do suprimento. Outro princípio básico é
promover o suprimento segundo a demanda, do ponto de vista qualitativo e
quantitativo, o que permite, pelo menos por seis meses no ano, lavar carros e
trocar calor nas indústrias com águas pluviais, economizando energia, produtos
químicos e desastres.
Publicado no jornal Estado de Minas –Opinião – página 7 - 01/04/00
Nenhum comentário:
Postar um comentário