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terça-feira, 20 de abril de 2010

Urbanista acha que acabar com todas as favelas é impossível

É impossível erradicar as favelas no mundo atual. Essa ideia foi uma ilusão modernista, segundo o urbanista italiano Bernardo Secchi, 75, um dos mais renomados do mundo. "Não temos tempo, meios nem dinheiro para fazer isso", disse à Folha.
Secchi criticou o isolamento das favelas brasileiras e elogiou Brasília - "um dos projetos mais importantes do século 20". Ideia de acabar com as favelas foi uma ilusão modernista

ENTREVISTA
BERNARDO SECCHI

Urbanista italiano visitou a favela de Paraisópolis e diz não achar possível transformá-la em um bairro normal.

MARIO CESAR CARVALHO
VINICIUS QUEIROZ GALVÃO
DA REPORTAGEM LOCAL - 19/04/2010

As favelas se tornaram um fenômeno tão onipresente que é impossível acabar com elas. "Não temos tempo, meios nem dinheiro para fazer isso", disse à Folha o italiano Bernardo Secchi, 75, um dos urbanistas mais renomados do mundo.

Secchi é um dos dez urbanistas convidados pelo presidente francês Nicolas Sarkozy para pensar a Paris de 2030. Fez também planos para Madri, Roma e Londres. A ideia de acabar com as favelas foi uma ilusão modernista, segundo ele. "Temos de partir da cidade que existia antes da modernidade, quando as cidades eram mais diversificadas", explicou numa conferência em São Paulo para 450 pessoas, na semana passada.

A convite da Prefeitura de São Paulo, Secchi visitou a favela de Paraisópolis, alvo de um plano de urbanização e de construção de moradias que envolve sete arquitetos. Elogiou o projeto, mas criticou os prédios públicos (pela falta de "majestade", qualidade essencial a esse tipo de construção). Outro problema de Paraisópolis e das favelas brasileiras, segundo ele, é similar aos encontrados na periferia de Paris -elas ficam isoladas da cidade.

FAVELAS
Estimativas de 2003 mostram que 1 bilhão de pessoas no mundo estejam morando em favelas. Hoje são muito mais. Não há programas sociais que possam mudar essa situação. Visitei Paraisópolis e fiquei chocado porque estão fazendo muitos projetos que estão avançando na hipótese de que essa favela possa se transformar em um bairro normal, moderno. Acho que não é possível. Não temos dinheiro, meios nem tempo para fazer isso.

ESPAÇO PÚBLICO
 Em todo lugar do mundo a experiência mostra que, melhorando os espaços públicos, as coisas mudam. O que vi hoje é importante, como escolas, creches e esportes. Aquelas pessoas não são tão pobres assim. Se os ajudarmos a melhorar a situação em que vivem, elas conseguem. A arquitetura tem de fazer algumas sugestões claras, mas, se quisermos mudar radicalmente todas as favelas, não teremos sucesso.

BRASÍLIA
É um dos projetos mais importantes do século 20. A utopia é típica da cultura ocidental, é a capacidade de imaginar o futuro. Depois da Segunda Guerra, ninguém na Europa era capaz de produzir pensamentos utópicos. Só os países que alcançavam a liberdade, como o Brasil e a Índia, tiveram a capacidade de pensar utopicamente. A ideia de repetir os ministérios e culminar na praça é a afirmação do poder do Estado.

BRASÍLIA NO FUTURO
 Uma cidade precisa de muitos anos para se tornar real. Siena, Roma, Milão têm séculos. Brasília pode ser tornar isso um dia. No futuro, será uma cidade diferente. As pessoas usam os espaços e os modificam.

CRACOLÂNDIA
 Isso ocorre em todos os lugares. Em Dublin [Irlanda], no final do século 19, o equivalente à palavra favela surgiu para designar uma dessas áreas abandonadas. Trabalhei em Antuérpia [Bélgica], que tem regiões maravilhosas abandonadas. Conseguimos recuperá-las, mas não só com biblioteca ou centros culturais. Depois de Bilbao, com o museu Guggenheim, todos achavam, sobretudo no mundo político, que seria suficiente colocar um museu para melhorar uma região. E isso não é verdade. Não temos dinheiro para transformar tudo. Temos de resolvê-los passo a passo. Em Antuérpia, há muitos jovens que querem morar no centro. E precisam ser livres para organizar suas moradias do jeito que querem. Com os jovens e famílias que foram ao centro de Antuérpia, o movimento mudou. E outras pessoas viram que, se eles podiam fazer, elas também podiam.

PARIS DO FUTURO
Fui escolhido por Sarkozy [para pensar o urbanismo de Paris de 2030]. Um modelo perfeito não existe, mas há maneiras de melhorar a situação. O maior problema da Grande Paris está nos subúrbios. Paris tem 12 milhões de pessoas, a maioria vivendo fora da cidade. Fui morar nos "banlieues" para ter a experiência. As pessoas que moram lá têm suas referências do que é relevante para elas, o que não é uma mesquita, uma catedral, um monumento, pode ser um mercado.

BARREIRAS DE PARIS
As áreas em que os pobres moram em Paris estão sempre encravadas e é impossível entrar nelas e sair de lá. São barreiras. Descobri que o deslocamento era o maior problema. Os espaços verdes não são usados para aumentar a sociabilidade, mas para separar. Há uma tensão social por lá. Então propus um projeto que modificava a estrutura da Grande Paris para que todos pudessem ir ao centro da cidade. Não é a hora de colocar um grande arquiteto em Paris. É hora de construir um suporte, como Lúcio Costa fez em Brasília.

PROBLEMA SOCIAL
Os moradores dos "banlieues" são imigrantes ou filhos de imigrantes. Muitos não se sentem franceses, e os próprios franceses não os veem assim. É um problema social. Não dá para resolver todos os problemas com soluções da arquitetura ou do urbanismo. É preciso políticas sociais, como os modernistas acreditavam. O urbanismo e a arquitetura podem acompanhar políticas sociais. Precisamos de macropolíticas e não só uma política isolada. O que mais ouvimos dos jovens é que procuram emprego, conseguem a vaga e, quando dizem que moram nos distritos distantes, são recusados.

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