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quinta-feira, 26 de abril de 2007

Coletivo: um estilo sem causa

"A exposição Coletivo: arquitetura paulista contemporânea, inaugurada no Centro Cultural Mariantonia, reúne trabalhos de seis escritórios de arquitetura de profissionais formados entre 1986 e 1996 na FAUUSP. A coletânea de desenhos e maquetes busca identificar esta geração com a chamada escola paulista, movimento iniciado nos anos 60 e 70 por Vilanova Artigas, Paulo Mendes da Rocha, Carlos Milán e, em sentido mais contraditório, Sérgio Ferro e Rodrigo Lefevre.

Segundo Guilherme Wisnik, curador e membro do grupo de expositores, a atual geração teria um vínculo com aquela de Artigas, ao menos no comum “fio geracional” e na “afinidade ética”. No entanto, não é possível esquecer que a consagrada escola paulista erguia suas construções num tempo em que ainda existia o sonho de construir uma grande nação burguesa, num tempo em que se vivia o sonho da modernização nacional, que retiraria o Brasil de seu “atraso” histórico. Muitos tinham isso como objetivo último, enquanto Artigas e outros filiados ao Partido Comunista viam a fundação da nação burguesa como uma etapa a ser cumprida no caminho em direção ao socialismo.

Seja como for, para as gerações das décadas de 60 e 70, a produção era diretamente vinculada a um projeto de país, o que dava à própria arquitetura um sentido histórico, levando-a para além do simples desenho. Foi esse fundamento histórico que permitiu à escola paulista chegar a formulações-síntese como “a cidade é uma casa, a casa é uma cidade”, que ampliaram os horizontes da arquitetura brasileira, pensando-a enquanto urbanismo, enquanto organização da vida – seguindo, na verdade, a Le Corbusier.

Na exposição, no entanto, não é o que vemos. Se em 1984 Artigas reitera sua posição revolucionária quando debate a função social do arquiteto – “mantenho a convicção de que só profundas mudanças sociais na estrutura política e que vivemos poderão fazer de nossa arquitetura o equilíbrio entre a forma e o conteúdo, entre a beleza e a finalidade.” – hoje, os jovens arquitetos que se pensam no mesmo “fio geracional” parecem repetir as formas da escola paulista, porém já destituídas de seu caráter político, contestador.

A arquitetura da nova geração é apresentada a partir de uma caracterização bastante genérica de sua produção, destacando-se elementos como o “rigor formal”, a “discrição” e a reivindicação, “em nome da arquitetura”, de uma “visão ampla que envolve o objeto, a cidade e o território”. O sentido dessa produção é sempre exposto a partir da forma, apoiando-se em categorias abstratas, desvinculadas de qualquer movimento histórico.

A maioria dos projetos apresentados não poderiam ser simplesmente classificados como problemáticos ou ruins, pelo contrário: são extremamente bem resolvidos, prevendo espaços fluídos e vãos generosos. Mas são desenhos em si mesmos. Descolados das contradições da realidade, não manifestam nenhuma oposição à forma bárbara de produção das cidades hoje, restando apenas formas vazias, formas que são simulacros e paródias da produção original da escola paulista. Surgem então as pessoas nadando em um rio idílico que na verdade hoje é um rio imundo, grandes vão aprisionados em pequenos lotes, a integração entre edifício e a “paisagem” em residências de condomínios fechados.

Mesmo nos concursos públicos de arquitetura, quando esses escritórios poderiam buscar alguma atuação mais crítica, o que vemos são repetições das formas que realizam rotineiramente para a iniciativa privada. Não há trabalho ou reflexão conjunta para estabelecer um programa para a arquitetura hoje, um programa que possa dar respostas ao caos que são as cidades contemporâneas. Imersos na reprodução de desenhos “ideais” para uma sociedade absurdamente bárbara, desenham projetos completamente inofensivos. O próprio Wisnik reconhece (e entende como algo positivo) que estes jovens recusam um “controle ilusório sobre a iniciativa privada (uniformização dos edifícios, quarteirões)”, assumindo uma postura passiva diante da realidade avassaladora. Uma postura que, no limite, é uma renúncia ao próprio “lançar à frente” de Artigas—que tanto os inspira—, uma submissão aos mesquinhos limites do mercado.

Se os urbanistas do PT e os planejadores burocráticos abandonaram o projeto, também seria um erro esconder-se ou se contentar com desenhos idealistas que já não significam mais nada, desenhos incapazes de apontar uma perspectiva de superação mais audaciosa, repetidores de formas e que acabam se transformando em um estilo sem causa.

Produzir arquitetura hoje, antes de tudo, passa por conceber um processo de superação, passa por um programa de re-fundação das cidades, que as retire do destino bárbaro de se reproduzirem em pólos opostos, de se transformarem em shopping e ruínas. Para levar adiante a construção desse programa, serão necessárias gerações inventivas e, acima de tudo, politicamente ousadas: livres dos projetos ilusórios que nada transformam ou que apenas maquiam a realidade através de respostas cada vez mais restritas, que acabam aprofundando a crise das cidades. Serão necessárias gerações libertas das ilusões institucionais da reforma urbana e das soluções postiças dos desenhistas de falsificações. Serão gerações que produzirão uma ousada movimentação, fazendo convergir, assim, grandes necessidades e enormes possibilidades."

Fonte: www.brasilia17.org.br - 02/11/2006

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