No processo de urbanização brasileiro, a
distribuição espacial da população reflete a distribuição das alternativas de
acesso à cidade no que concerne à moradia e aos produtos imobiliários a ela
relacionados, disponíveis à população, segundo a faixa de renda.
Tal processo acaba gerando conflitos sócio-ambientais. A professora Heloisa Costa afirma que "na prática urbana cotidiana, grande parte das questões são de fato, simultaneamente, sociais e ambientais, ainda que não sejam fato formuladas como tal. Argumenta-se que muitas das situações características da urbanização brasileira, vistas apenas como expressões ou materializações da injustiça social ou distorções econômicas, são de fato expressões de conflitos sócio-ambientais urbanos."
Belo Horizonte representa bem a crise socioambiental
que caracteriza a vida de inúmeras cidades do mundo e de suas periferias. Suas
favelas são freqüentemente instaladas nas cabeceiras de importantes córregos
urbanos, em áreas ambientalmente frágeis. São evidentes os riscos ambientais
aos quais estão expostas as populações instaladas nestas áreas, bem como a
ineficácia de nossa legislação ambiental ou das leis de uso e ocupação do solo
urbano, bem como a ineficiência da ação reguladora do Estado. Nada consegue
coibir as ocupações, oferecendo o território à informalidade e potencializando
os processos de degradação ambiental. Menos evidente é a extensão do risco
socioambiental a toda a sociedade, bem como os benefícios que poderiam advir da
eleição destas áreas como prioritárias nos investimentos públicos e programas
de recuperação socioambiental das cidades.
A presença de córregos em leito
natural confere à área um caráter singular: a possibilidade de investigação de
novo padrão de intervenção baseada na relação harmoniosa entre gente e água em
meio urbano, além da recuperação do córrego a
partir de suas cabeceiras, combinada à inserção social e produtiva de seus
ocupantes para o efetivo aproveitamento e justa distribuição do potencial ali
instalado.
Nas metrópoles e grandes cidades brasileiras, os efeitos de um processo
de urbanização impositivo sobre o sítio natural são bastante perceptíveis sob
várias formas como, por exemplo, mudanças climáticas decorrentes da supressão
vegetal e da impermeabilização do solo, ou a poluição de cursos d’água e o
comprometimento de mananciais de abastecimento, mas é, sobretudo, sob a forma
de tragédias urbanas, freqüentes nas temporadas de chuvas, que os
desequilíbrios socioambientais decorrentes desse processo escancaram-se,
evidenciando a urgência de revisão dos princípios que norteiam as intervenções
físicas em áreas urbanas.
Evidentemente, são as
populações mais pobres as vítimas mais freqüentes destes eventos e paradoxalmente, segundo o Poder Público, os únicos responsáveis pelo desequilíbrio ambiental. Para esta população,
são óbvios os riscos ambientais já que estão instaladas em áreas propensas à
erosão ou sujeitas a inundações, áreas de preservação de mananciais ou áreas
residuais urbanas como os baixios de viadutos, encostas íngremes ou áreas
alagáveis.
Também evidente é a ineficácia
de nossa legislação ambiental ou das leis de uso e ocupação do solo que impõem
restrições à ocupação destas áreas, restringem a ação reguladora do Estado, mas
não conseguem coibir as ocupações, oferecendo o território à informalidade com
a conseqüente potencialização dos riscos e dos processos de degradação ambiental.
Menos evidente, porém, é a
extensão do risco ambiental e social a toda a sociedade, seja sob a forma de
poluição das águas e do solo, do assoreamento dos fundos de vale e inundações
em áreas de ocupação formal, ou sob a forma crescente e flagrante de
desigualdade econômica e de acesso a bens e serviços e sua conseqüência mais
imediata e indesejável: a alarmante elevação da violência e da criminalidade
urbana, nas cidades brasileiras, expressão objetiva da insustentabilidade do
modelo socioambiental praticado no Brasil.
No entanto, como defende
Marcelo Lopes de Souza, por corporificar as várias crises “reais ou
supostas de que se ouve diariamente falar – ecológica, do capitalismo, de
valores, do Estado e várias outras”, as metrópoles são como o lugar da crise,
também a sua possibilidade de superação. Imaginemos, pois, os efeitos benéficos - extensíveis a
toda a sociedade - que poderiam advir da eleição das áreas de ocupações
precárias como prioritárias nos investimentos públicos e programas de
recuperação socioambiental das cidades.
David Harvey esclarece: "é vital, ao encontrar um problema sério, não meramente tentar solucionar o problema em si, mas confrontar e transformar o processo que deu lhe deu origem."E em Belo Horizonte, esses conflitos sócio-ambientais são patentes e o Poder Público Federal, Estadual e Municipal, na contramão dos preceitos democráticos insculpidos na Constituição Federal, no Estatuto da Cidade e em diversos tratados, trata a questão fundiária, que diz respeito à toda sociedade, como uma questão de foro particular. Senão, vejamos:
Acabo de receber a seguinte notícia:
"A POLÍCIA PROMOVE UM CERCO DE 1 KM DE RAIO NA OCUPAÇÃO ELIANA SILVA NÃO PERMITINO O ACESSO DE QUALQUER UM AS PROXIMIDADES DA OCUPAÇÃO, INCLUSIVE A IMPRENSA, O APARATO POLICIAL É OSTENSIVO E PROMETEM PROMOVER A DESOCUPAÇÃO DO TERRENO DENTRO DE MINUTOS".
A Polícia Militar, segundo informações, irá promover a reintegração de posse determinada pela Justiça.
Segundo o Colóquio Internacional sobre Justiça Ambiental, Trabalho e Cidadania, injustiça sócio-ambiental é o "mecanismo pelo qual sociedades desiguais, do ponto de vista econômico e social, destinam a maior carga de danos ambientais do desenvolvimento às populações de baixa renda, aos grupos raciais discriminados, aos povos étnicos tradicionais, aos bairros operários, às populações marginalizadas e vulneráveis."
E é o que ocorre com as populações que buscam seus direitos, que são ignorados pelo Estado. São considerados marginais.
E, na contramão do que propõe Harvey, a Prefeitura de Belo Horizonte simplesmente ajuíza uma ação de reintegração de posse que em caráter liminar, é deferida. Políticas Públicas Habitacionais, mais do que outras políticas, deve ter um caráter mais democrático. Desde Dandara, Camilo Torres, Irmã Doroty e agora Eliana Silva, a Prefeitura não dialoga com o movimento social. Muitos opositores dessas ocupações, notadamente o Poder Público, justificam as ações de reintegração de posse afirmando as benesses dos programas habitacionais implantados.Ora, as ocupações ocorrem principalmente porque os programas habitacionais são ruins.
O "Minha Casa Minha Vida", por exemplo, não tem proposta para as ocupações em encostas e o programa municipal "Vila Viva" não garante uma participação efetiva da população na elaboração do projeto arquitetônico nem da construção tão pouco das discussões. Com isso, gera unidades habitacionais de qualidade duvidosa. O arquiteto João Filgueiras, o Lelé, também aponta esses problemas ao analisar o PAC - Minha Casa, Minha Vida, a pedido da Presidente Dilma.
Então, segundo Heloísa Costa e Fernando Sabatini, cabe ao Estado, ao Poder Público o papel de agente de mediação de interesses. Que o papel do Poder Público nos conflitos sócio-ambientais seja definido a partir da tensão que este vive entre desempenhar um papel de mediação do conflito ou definir-se como parte interessada nele. Não agir como um simples proprietário de terra que defende seu interesse particular é o ideal. Deve a Prefeitura, o Poder Judiciário agirem como conciliadores, não ignorando as questões democráticas que essas ocupações demandam agindo como representantes máximos de direitos alheios.
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